Deputados e ex-deputados viram réus por concessão de aposentadoria ilegal a ex-vereador
A Justiça do Amazonas aceitou uma denúncia contra deputados e ex-deputados por conta da aprovação de uma lei na Assembleia Legislativa do Estado (ALE-AM) que concedeu pensão de R$ 2 mil ao ex-vereador de Boca do Acre Moisés Pantoja Lima.
Com a decisão da juíza Etelvina Lobo Braga, da 3ª Vara da Fazenda Pública da Capital, 10 deputados e ex-deputados à época integrantes da Mesa Diretora da ALE-AM, além do próprio Moisés, viraram réus.
A aprovação da lei aconteceu em 2010. A ação civil pública por ato de improbidade administrativa foi apresentada à Justiça em 2014 pelo Ministério Público do Amazonas (MP-AM).
A decisão pelo recebimento da denúncia é datada de 4 de dezembro de 2020 (confira na íntegra no fim da matéria). No entanto, o documento só foi disponibilizado nesta segunda-feira (21), conforme é possível ver na movimentação da ação no site do Tribunal de Justiça (TJ-AM).
Reprodução/TJ-AM
Os réus
Entre os réus, continuam deputados estaduais até hoje Belarmino Lins (PP), que é o autor da lei e presidia a Assembleia na época, Ricardo Nicolau (PSD) e Adjuto Afonso (PDT).
Os outros réus que eram deputados quando da aprovação da lei e que hoje ocupam outros cargos de destaques: o prefeito de Manaus, David Almeida (Avante); o vice-prefeito, Marcos Rotta (DEM); o secretário municipal de Limpeza (Semulsp), Sabá Reis; e o conselheiro do Tribunal de Contas do Amazonas (TCE-AM) Josué Neto.
Também figuram como réus os ex-deputados Carlos Alberto, Vicente Lopes e Conceição Sampaio.
A denúncia
A lei estadual 80/2010 concedeu “pensão especial, mensal e vitalícia no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), pelos serviços prestados no Município de Boca do Acre”. Sem sanção do Executivo à época, a lei foi promulgada pela Mesa Diretora da ALE-AM.
Assinada pelo promotor Ronaldo Andrade, da 78ª Promotoria de Justiça Especializada na Proteção do Patrimônio Público do MP-AM, a denúncia aponta que Moisés Pantoja Lima contou, em depoimento à promotoria, “que foi agraciado por projeto de lei do Deputado Belarmino Lins, a quem se refere como Belão, com o qual sempre teve bom relacionamento e do qual é eleitor”.
O ex-vereador de Boca do Acre declarou que Belarmino prometeu, em conversa particular, que lhe conseguiria uma aposentadoria, “restando evidente, pois, que o benefício que ora se questiona é verdadeira concretização de uma promessa pessoal feita por um membro do Poder Legislativo Estadual a um eleitor”.
A peça mostra que à época Moisés já era aposentado pelo INSS por invalidez, com benefício mensal de R$ 3.058,17. E que o TCE-AM reconheceu, em 2013, a ilegalidade da aposentadoria concedida pela ALE-AM.
O promotor afirmou que o Supremo Tribunal Federal (STF) firmou o entendimento que a concessão de pensão vitalícia aos agentes políticos municipais, prefeito, vice-Prefeito, vereadores e seus dependentes, pelo simples fato de terem exercido tais funções, representa “grave ofensa aos princípios da igualdade, impessoalidade e moralidade pública”. “Sendo assim, tem-se que a referida lei estadual afronta o princípio constitucional da impessoalidade, porque dota um cidadão, que foi ou é agente público, pelo simples fato do exaurimento do mandato de vereador do município, de condição excepcional, privilegiada, que não se compadece com aquela imposição constitucional”, afirma na ação.
Por não ter sido vetada pelo governador à época, o promotor afirma que houve uma “sanção tácita”, “tendo em vista que o Chefe do Poder Executivo deixou transcorrer em branco o prazo constitucional assinalado para a prática dos atos de sua competência”, razão porque o projeto foi promulgado pelo Legislativo.
Após a apresentação da denúncia, a lei que concedeu a aposentadoria foi revogada pela lei 207/2014.
A decisão
Os réus já apresentaram defesa prévia no processo. Em linhas gerais, a maioria pedia o fim da ação por perda de objeto, uma vez que a aposentadoria já deixou de ser paga, uma vez que a lei foi revogada. Para encerrar o processo, foi defendida ainda a incompetência da Vara da Fazenda para julgar o caso. Também levantaram a imunidade parlamentar e o fato de que a lei foi aprovada por comissões técnicas da ALE-AM e que, assim, não haveria dolo na sua promulgação.
A juíza Etelvina Lobo Braga indeferiu os pedidos. Na decisão, ela afirma ter vislumbrado nos autos do processo “prova suficiente para seu recebimento, dado que não há prova convincente da inexistência dos atos de improbidade, improcedência da ação ou da inadequação da via eleita”.
Ao considerar que as condutas dos acusados foram delimitadas e que há “substrato suficiente” para sustentar o andamento do processo, a magistrada afirmou ser “temerário” extinguir a ação, “impondo-se iniciar a instrução, visando descobrir se houveram ou não as condutas tidas como ilícitas, descritas na inicial, verificar a existência de dolo e má-fé, enfim, tudo que possibilite se chegar à verdade dos fatos”.
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