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Morre José Mujica, ex-presidente do Uruguai e símbolo da esquerda latino-americana

Líder político e ex-guerrilheiro faleceu aos 89 anos, vítima de câncer no esôfago; atual presidente uruguaio confirmou a morte e prestou homenagem

Faleceu nesta terça-feira (13), aos 89 anos, o ex-presidente do Uruguai José “Pepe” Mujica, vítima de um câncer no esôfago. Ícone da esquerda latino-americana e conhecido por seu estilo de vida simples, Mujica ocupou a presidência do país entre 2010 e 2015, deixando um legado marcado pela defesa da justiça social, da democracia e dos direitos humanos.

A confirmação da morte foi feita pelo atual presidente uruguaio, Yamandú Orsi. “É com profundo pesar que anunciamos o falecimento do nosso colega Pepe Mujica. Presidente, ativista, referência e líder. Sentiremos muita falta de você, querido velho. Obrigado por tudo o que você nos deu e pelo seu profundo amor pelo seu povo”, escreveu Orsi nas redes sociais.

Nascido em 20 de maio de 1935, Mujica teve uma trajetória política intensa. Atuou na luta armada contra a ditadura militar uruguaia (1973–1985) como integrante do movimento Tupamaros. Foi preso pelo regime e passou quase 15 anos encarcerado, muitos deles em condições severas.

Com a redemocratização do país, Mujica retomou a vida política institucional, tornando-se deputado, senador, ministro da Agricultura e, posteriormente, presidente da República. Seu governo foi marcado por políticas progressistas, como a legalização da maconha, o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a ampliação de programas sociais.

Em janeiro de 2025, Mujica anunciou publicamente que o câncer diagnosticado em abril de 2024 havia avançado. Disse, na ocasião, que não se submeteria a tratamentos agressivos por conta da idade e do estado debilitado de saúde.

A figura de Pepe Mujica transcendeu fronteiras, sendo admirado por lideranças e populações de diferentes países como símbolo de coerência política e integridade pessoal.

No Brasil, políticos de esquerda prestaram solidariedade pelo falecimento do político, apontado como uma das últimas lideranças bem-sucedidas do espectro político na América Latina que cresceu no século XX. O Partido dos Trabalhadores (PT), do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), fez uma publicação com fotos de Mujica ao lado do líder brasileiro, escrevendo “até sempre, Pepe”.

A deputada federal Duda Salabert (PDT-MG) publicou em suas redes que Mujica “semeou mudanças na América Latina”, inspirou em vida e “revelou ainda mais coragem quando viu aproximar sua partida, sem jamais abrir mão da verdade”. O senador Humberto Costa (PT-PE) escreveu que Mujica foi “um homem-coração que tinha o sentimento das mais lindas causas humanais e sociais pulsando vivamente”.

O deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) disse que recebeu “com grande tristeza” a notícia da morte de “El Viejo Mujica”, um “homem de convicções firmes, um lutador pela igualdade e pela Justiça entre as pessoas. Um ser humano simples, suave, bem-humorado, doce. O mundo fica mais triste, mas ele nos deixa um legado de luta pelo socialismo que precisamos continuar”.

Guerrilheiro

Nascido em 1935 em uma família de origem humilde, nos arredores de Montevidéu, Mujica entrou para política ao fundar o Movimento de Libertação Nacional Tupamaros, grupo guerrilheiro urbano que operou nos anos 1960 e 1970 e enfrentou a ditadura civil-militar no Uruguai (1973-1985).

Sua atividade no Tupamaro lhe custou cerca de 14 anos de prisão, tendo sido preso quatro vezes, ferido por seis tiros e escapado da prisão em duas ocasiões. A história da prisão de Mujica, torturado e jogado na solitária por longos anos, foi contada pelo longa-metragem Uma Noite de 12 Anos, dirigido pelo uruguaio Álvaro Brechner.

Em entrevista ao jornalista brasileiro Emir Sader, Mujica revelou que, para suportar a solitária, teve que se relacionar com animais. “Se você pegar uma formiga e colocá-la perto do ouvido, vai ouvi-la gritar. Isso eu aprendi no calabouço. [Também] guardava umas migalhas de pão porque havia uma ratazana que aparecia sempre lá”, contou.

Presidente

Com o fim da ditadura, Mujica foi libertado e participou da criação do Movimento de Participação Popular, que compõe a chamada Frente Ampla, grupo de organizações de esquerda e  centro-esquerda que levou Mujica à Presidência da República do pequeno país sul-americano. Antes, foi deputado federal, ministro da Agricultura e senador.

Na Presidência, Pepe Mujica chamou atenção por promover uma legislação considerada progressista com a descriminalização do aborto, a lei do casamento igualitário, que permitiu casais homossexuais adotarem filhos; além da legalização da maconha.

Doutor e professor em história na Universidade de Brasília (UnB), Rafael Nascimento destacou que a pobreza no país caiu de 39% em 2004 para 11,5% em 2015. Além disso, houve expansão dos programas de transferência de renda e aumento do salário mínimo, além da distribuição de laptops para estudantes e professores e políticas habitacionais para famílias de baixa renda.

“Mujica é celebrado não apenas por suas realizações políticas, mas por sua ética de vida, por sua simplicidade e por sua luta por justiça social! Ele defende valores como a solidariedade, o respeito à natureza e o consumo consciente, tornando-se uma referência global”, destacou o especialista.

Em 2019, Mujica foi novamente eleito senador, mas renunciou ao cargo em 2020 para evitar o contágio durante a pandemia de covid-19. “Há uma hora de chegar e uma hora de partir na vida”, disse.

Em novembro de 2024, o candidato da Frente Ampla, Yamandú Orsi, venceu a eleição presidencial, marcando a volta da centro-esquerda ao poder no Uruguai após a derrota em 2020. O candidato do grupo de Mujica assume o governo em março de 2025.

Integração latino-americana

“Ou nos integramos, ou não somos nada”, costumava dizer Pepe Mujica, que sempre lembrava que a América Latina possui apenas cerca de 7% da população mundial. Para ele, a integração dos países da região é fundamental para o nosso desenvolvimento.

Mujica argumentava que a história da humanidade é definida fora do continente e que apenas a união dos países da região, independentemente se os governos são de direita ou esquerda, seria capaz de interferir nas mudanças impostas de fora.

“[Após as independências], era mais importante comunicar-se com Paris ou Londres do que entre nós. E agora percebemos que, para defender a pouca soberania que nos resta em um mundo cada vez mais global, se não nos unirmos, não existimos. Precisamos, para nosso próprio interesse, de uma política de colaboração entre todos os latino-americanos para multiplicar nossa força no mundo”, afirmou Mujica, em outubro de 2023, quando participou do lançamento da Jornada Latino-americana e Caribenha de Integração dos Povos, em Foz do Iguaçu (PR).

Lula condecora Mujica

No dia 5 de dezembro de 2024, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi até o sítio de Mujica, no Uruguai, e o condecorou com a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, homenagem dedicada a personalidades estrangeiras.

Para Lula, Mujica foi, entre os presidentes que conheceu, “a pessoa mais extraordinária”. “Essa medalha que eu estou entregando ao Pepe Mujica não é pelo fato de ele ter sido presidente do Uruguai. É pelo fato de ele ser quem é”, disse Lula, emocionado.