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Advocacia predatória retira direitos dos passageiros aéreos

O aumento expressivo de demandas judiciais ajuizadas contra companhias aéreas, impulsionado por práticas conhecidas como advocacia predatória, acende um sinal de alerta no setor jurídico e no sistema de justiça brasileiro. Escritórios especializados em litígios em massa têm adotado estratégias automatizadas para ajuizar ações repetitivas, muitas vezes sem a devida verificação da veracidade dos fatos ou da existência de prejuízo concreto, distorcendo a lógica de proteção do consumidor, trazendo incontáveis prejuízos às empresas e comprometendo o direito daqueles que realmente sofrem danos em suas relações com o transporte aéreo.

Dados recentes da Associação Brasileira de Empresas Aéreas (ABEAR) revelam que o número de processos contra companhias aéreas no Brasil aumentou, em média, 60% de 2020 a 2023. Segundo a associação, boa parte dessas ações é movida por sites e plataformas digitais que, em parcerias com empresas de marketing jurídico, atuam em escala industrial e prometem compensações financeiras imediatas para captar passageiros com qualquer tipo de insatisfação, independentemente da caracterização de dano jurídico relevante.

De acordo com Carlos Barbosa, advogado especialista em Direito Aeronáutico da banca Cerdeira Rocha Vendite Barbosa Borgo e Etchalus advogados, esse modelo de advocacia, caracterizado por sua massificação e pela ausência de atuação individualizada, contribui para a oneração e sobrecarga do Poder Judiciário, dificulta a análise detida de cada caso e prejudica a uniformização da jurisprudência. Além disso, retira espaço para a escuta dos consumidores que efetivamente sofrem violações legais relevantes, desviando recursos e energia institucional para ações com baixo ou nenhum grau de complexidade.

A Abear (Associação Brasileira das Empresas Aéreas) divulgou um levantamento que aponta que 98,5% das ações judiciais no mundo contra companhias aéreas estão concentradas no Brasil. Isso dá uma média de uma ação judicial para cada 227 passageiros no país, em contraste com uma para cada 1,2 milhão nos Estados Unidos.

O especialista alerta que a judicialização artificializada provoca distorções na prestação jurisdicional e pode induzir juízes a decisões padronizadas, muitas vezes sem análise de mérito aprofundada: “A banalização da litigância impede a aplicação criteriosa do direito, prejudica a credibilidade do sistema judicial e desestimula práticas de resolução consensual de conflitos”, aponta o advogado.

Necessidade de conter a advocacia predatória

Segundo Barbosa, embora a defesa dos direitos dos consumidores continue sendo elemento central do ordenamento jurídico brasileiro, a instrumentalização desses direitos em favor de objetivos financeiros compromete os fundamentos do sistema. O advogado afirma que o Código de Defesa do Consumidor, o Código Civil e a própria Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) garantem a reparação integral em casos de falha na prestação de serviço, atraso de voo, extravio de bagagem ou overbooking, mas exigem a demonstração de dano concreto, relação de causalidade e boa-fé processual, o que muitas vezes é desconsiderado em demandas ajuizadas sob a lógica da advocacia predatória.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já reconheceu a necessidade de conter a multiplicação artificial de ações idênticas no sistema judicial e tem promovido mecanismos de filtragem de recursos e uniformização de entendimentos por meio de temas de repercussão geral e recursos repetitivos. Contudo, a realidade nos juízos de primeiro grau revela que ainda há fragilidade no controle de demandas artificiais e ausência de instrumentos eficazes para coibir litigância de má-fé em larga escala.

Iniciativas legislativas também começam a surgir em resposta ao problema. Projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional buscam endurecer a responsabilização por litigância predatória, incluindo a possibilidade de aplicação de multas mais gravosas, suspensão de processos idênticos em série e responsabilização objetiva de escritórios que atuem de forma sistemática com má-fé processual. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por sua vez, tem sido pressionada a adotar uma posição mais firme contra práticas que afrontem os deveres éticos da profissão.

“O cenário atual impõe desafios não apenas ao Judiciário e às companhias aéreas, mas a toda a sociedade. A confiança na prestação jurisdicional depende da capacidade das instituições de distinguir entre demandas legítimas e ações artificiais. A persistência da advocacia predatória compromete essa confiança, onera indevidamente as empresas do setor e enfraquece o direito dos consumidores verdadeiramente lesados. O enfrentamento do problema exige atuação coordenada entre Poder Judiciário, advocacia, entidades de classe e órgãos reguladores, em defesa de um sistema jurídico equilibrado, eficiente e justo”, alerta Barbosa.