Socioemocional é chave contra lacunas na educação
O Brasil enfrenta um desafio persistente na área da educação: 29% da população entre 15 e 64 anos é considerada analfabeta funcional, conforme dados recentes do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), divulgados no início de maio. O índice mostra que o país não evoluiu desde o último apontamento, em 2018. Ou seja, quase um terço da população não consegue compreender plenamente textos simples ou realizar operações matemáticas básicas, o que impacta diretamente a inserção social e profissional. Diante desse cenário, Thiago Zola, mestre em Educação e Head de Produtos da Mind Lab, aponta o desenvolvimento de habilidades socioemocionais — modelo educacional que ajuda o indivíduo a evoluir qualidades como autorregulação, resiliência, foco, comunicação efetiva, resolução de problemas, empatia, entre outros — como uma ferramenta fundamental na luta contra o analfabetismo funcional e, consequentemente, na redução do déficit educacional nas escolas.
Para Thiago, o foco exclusivo em habilidades cognitivas tradicionais tem se mostrado insuficiente para promover avanços significativos na alfabetização funcional. “O desenvolvimento socioemocional é uma ferramenta moderna que ajuda os alunos a persistirem diante das dificuldades, a manterem o foco nas atividades e a lidarem melhor com frustrações. Isso é determinante em contextos de vulnerabilidade, onde o risco de evasão e baixo rendimento escolar é maior”, afirma. Para ele, a ausência dessas habilidades agrava a dificuldade de aprendizagem e impede que os estudantes avancem mesmo quando inseridos em ambientes com infraestrutura escolar adequada.
Estudos internacionais reforçam a relação direta entre o desenvolvimento socioemocional e o desempenho escolar. Segundo um estudo conduzido pela organização norte-americana Collaborative for Academic, Social, and Emotional Learning (CASEL), que revisou dados de mais de 270 mil estudantes de diversos países, alunos que participaram de programas estruturados de aprendizagem socioemocional apresentaram um ganho médio de 11 pontos percentuais em desempenho acadêmico em comparação aos que não participaram dessas iniciativas.
Além disso, esses estudantes demonstraram melhor comportamento em sala de aula, maior capacidade de lidar com o estresse e redução significativa de índices de evasão escolar. “Esses resultados evidenciam que a atenção às dimensões emocionais pode ser uma estratégia eficaz para enfrentar o déficit educacional e promover um ambiente mais propício ao aprendizado”, afirma o especialista.
Para ele, além de melhorar o desempenho escolar, o desenvolvimento socioemocional atua como um fator de proteção contra a exclusão educacional. “Em contextos de vulnerabilidade, onde a violência, a insegurança alimentar e a instabilidade familiar afetam o cotidiano dos estudantes, essas habilidades se tornam ainda mais relevantes”. O especialista explica que a metodologia funciona como um alicerce que permite aos alunos enfrentarem adversidades sem abandonar o processo de aprendizagem. “O cérebro não aprende quando está em constante estado de alerta. Precisamos preparar os estudantes emocionalmente para que consigam se concentrar, cooperar e evoluir academicamente”, enfatiza.
Com a missão de corrigir a rota da educação no Brasil, está sob debate em Brasília o novo Plano Nacional de Educação (PNE), que deve vigorar durante os próximos dez anos. Para o especialista da Mind Lab, é o momento chave para se discutir a implementação das competências socioemocionais no planejamento como forma, também, de contribuir para o atingimento das metas estabelecidas. “Vivemos uma oportunidade e o momento mais adequado para evidenciar a importância de adotarmos, na rede pública, metodologias modernas que ajudem a evidenciar o potencial dos nossos alunos. Esse pode ser o ponto de virada para reduzir desigualdades educacionais históricas, fortalecer o vínculo dos estudantes com a escola e criar um ambiente de aprendizado mais humano, motivador e eficaz”.
Outro aspecto importante é a formação de professores. Para que o desenvolvimento socioemocional seja eficaz, é essencial que os educadores estejam preparados para lidar com essas dimensões em sala de aula, na visão de Thiago. “Especialmente agora, em que o Brasil discute o novo PNE, é urgente que as políticas públicas priorizem a formação docente em competências socioemocionais com foco em favorecer o desenvolvimento de habilidades do século XXI. Não se trata apenas de transmitir conteúdos, mas de criar vínculos e ambientes de aprendizagem positivos”, destaca. Ele ressalta que educadores emocionalmente equilibrados também são mais eficazes em inspirar e conduzir os alunos ao sucesso escolar.
Além das discussões sobre o PNE, o especialista destaca outra oportunidade para fomentar o desenvolvimento socioemocional nas escolas públicas: o crescimento das Parcerias Público-Privadas (PPPs) em educação. “Vivemos um momento inédito e oportuno para o ensino básico nacional. O avanço dos projetos para a implementação de PPPs é, também, uma chance de discutirmos a melhor forma de implementar essas competências no escopo. Focar apenas na infraestrutura, apesar de ser um ponto de extrema importância e necessidade, é um erro. O uso de metodologias socioemocionais, que se adequem à grade extracurricular e tenham o respaldo e aplicabilidade dos educadores, é a alternativa para dar o impulsionamento que precisamos“, afirma.
“O combate ao analfabetismo funcional no Brasil requer uma abordagem multifacetada, que vá além do ensino tradicional de leitura e escrita. O desenvolvimento de habilidades socioemocionais emerge como uma estratégia poderosa para engajar os alunos, melhorar o desempenho acadêmico e reduzir as desigualdades educacionais. Avalio que, ao integrar essas competências no processo educativo, é possível criar uma base sólida para o aprendizado e formar indivíduos mais preparados para os desafios contemporâneos”, conclui Thiago.