Planos negam cobertura e 300 mil pacientes buscam a Justiça
Em 2024, o Brasil registrou cerca de 300 mil ações judiciais contra planos de saúde, segundo levantamento da Associação Paulista de Medicina (APM), com base em dados do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) e projeções nacionais. O volume representa um aumento expressivo em relação aos anos anteriores e reflete o crescimento da chamada judicialização da saúde, quando pacientes recorrem à Justiça para garantir acesso a tratamentos, exames, cirurgias ou medicamentos que foram negados pelas operadoras.
O entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre a taxatividade do Rol de Procedimentos da ANS foi temporariamente superado pela edição da Lei nº 14.454/2022, que restaurou a tese do rol exemplificativo com critérios objetivos para cobertura. A norma garante que procedimentos fora da lista da ANS podem ser obrigatórios, desde que preencham requisitos técnicos e médicos definidos em lei.
Os dados nacionais do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontam que boa parte das ações judiciais contra planos de saúde envolveu pedidos de tratamentos médicos e hospitalares (157.155 novos processos) e fornecimento de medicamentos (mais de 100 mil casos somando diferentes tipos). Entre esses pedidos, estão tanto medicamentos que já fazem parte da lista obrigatória dos planos quanto aqueles mais novos ou especiais, que ainda não foram oficialmente incluídos.
A Dra. Klícia Garcia, advogada especialista em Direito Médico e da Saúde, observa que muitos pacientes com doenças graves ou tratamentos contínuos se veem obrigados a entrar na Justiça para garantir atendimento. “Pacientes com câncer, autismo, doenças raras ou tratamentos de urgência, especialmente aqueles que envolvem medicamentos de alto custo, são frequentemente impactados por negativas indevidas. A judicialização não é uma escolha, é uma necessidade para assegurar um direito básico”, afirma a especialista.
Quando um plano de saúde nega um tratamento prescrito, o paciente pode solicitar a negativa, reunir os documentos médicos e buscar orientação jurídica especializada para ingressar com ação judicial, inclusive com pedido de liminar. Em muitos casos, a liminar é concedida em poucos dias, garantindo o início imediato do tratamento, especialmente em situações graves ou com risco de vida.
A especialista destaca que a falta de informação sobre os direitos contratuais é um fator que contribui para o número crescente de ações. “Muitos pacientes sequer sabem que existem prazos legais para que as operadoras prestem os serviços contratados. Desconhecem também que têm direito a receber por escrito a justificativa da negativa. Essa desinformação dificulta a defesa do paciente e, muitas vezes, adia o acesso a um tratamento essencial”, afirma.
Entre os temas mais sensíveis estão também os casos de reembolso de terapias para autismo negados, que afetam diretamente crianças em fase de desenvolvimento. A falta de cobertura para tratamentos multidisciplinares, muitas vezes recomendados por equipes médicas especializadas, tem sido alvo de decisões judiciais favoráveis aos pacientes.
“A judicialização crescente por tratamentos negados evidencia desafios estruturais na relação entre beneficiários e operadoras de saúde. O número expressivo de ações aponta para a necessidade de uma regulação mais clara, maior transparência contratual e respeito às prescrições médicas. É fundamental que os planos de saúde adotem práticas mais alinhadas ao bem-estar dos pacientes, evitando que a negativa de cobertura se torne uma barreira ao acesso à saúde”, conclui a especialista Klícia Garcia.